"Ora, o neto do branco é branco, o neto do negro é negro, mas o neto do
índio é apenas “descendente”. As outras raças se reproduzem, se perpetuam, mas
a nossa raça indígena degenera e logo desaparece. Destino ingrato que querem
nos impor. “Alto lá! Esta terra
tem dono!” (Sepé Taiaraju)
Dificilmente
conseguimos abordar um tema da magnitude e da relevância que o tema proposto
possui sem imbuí-lo um pouco de nossos próprios valores.
A
veia de justiceiro que a questão indígena no país faz saltar em cada um de nós
acaba ganhando forma e salta aos olhos de quem lê o que redigimos. Contudo, não
é esta, a principio, nossa premissa maior vez que tentaremos abordar tal tema dentro
do contexto histórico que o mesmo possui, convergindo na questão legal que
suscitou e que hoje se luta para aplicar.
É
fato que a população indígena ocupou nosso país, quase que em sua totalidade,
nos primórdios de sua descoberta e que, não obstante, eram seus únicos
habitantes. Também é fato que esse contingente populacional se reduziu a um
percentual que hoje é praticamente insignificante se o comparamos ao inicial. É
por este motivo que abordaremos tal tema dentro da perspectiva histórica que
desencadeou a elaboração do Estatuto do Índio (Lei n° 6001/73) do Decreto Lei
n° 1.775/96, da Súmula n° 650 do STF e os demais artigos da Constituição que
versam sobre a preservação das áreas indígenas, de sua cultura e de seu povo.
Apenas uma breve analise do contexto histórico.
Qualquer
livro de História que se preze inicia sua aventura de narrar a História do
Brasil a partir da desventura, por assim dizer, que foi a questão da
apropriação lusitana (inicialmente), das terras pertencentes, utilizadas,
cultivadas, ou mesmo habitada pelos povos indígenas com destaque para o
elemento basilar e constitutivo da própria ocupação do país: a violência.
Isso
ocorre quando do final dos séculos XVI, XVII e inicio do XVIII, se intensificando
a partir do momento em que a Coroa portuguesa se decidiu pela colonização,
através da adoção do sistema de Capitanias Hereditárias, da colônia brasileira.
Ora,
a simples entrega das terras aos chamados Donatários já implica necessariamente
na idéia da posse dessas terras por parte da Metrópole bem como no não
reconhecimento de qualquer outro dono para tal território, o que, tornava
inviável, a presença dos “estranhos índios” nestas terras. Inicialmente tais
estranhos foram expulsos do litoral devido à exploração da cana de açúcar e
posteriormente, expulsos do interior devido à atividade pecuária.
Assim, acerca do tema, podemos ler no livro
Uma nova História do Ceará, de organização da professora Simone de Souza,
artigo do professor Francisco Pinheiro (2004):
À medida que a produção açucareira avança pelas terras
do litoral, que se estendem da Paraíba até a Bahia, a pecuária, como sendo uma
atividade subsidiaria da produção açucareira, foi sendo tangida para o
interior. (...) Esse espaço livre para os grupos indígenas, que haviam
gradativamente sido expulsos da faixa litorânea, foi-se transformando aos
poucos em território da pecuária. (2004, pg. 18).
Como a idéia da posse também variava
entre os habitantes do Brasil àquela época, com próprio conceito de terra
ocorria o mesmo. Para o colonizador esta não representava nada além de um meio
de produção enquanto que para os povos indígenas, era não somente o meio
através do qual eles garantiam a sua própria sobrevivência bem como,
simbolicamente, era a forma pela qual definiam sua própria identidade.
Porém,
como todo bom civilizado que se dê ao respeito, os portugueses não só pouco se
importavam com o significado que a terra tivesse para o índio, como queriam e
impunham o seu modo de vida, crenças e valores não somente aos povos indígenas,
mas, também aos demais cantos e recantos do mundo.
Assim,
definida estava a situação na colônia e o posicionamento que os índios deveriam
tomar diante da Coroa, ou seja, ceder ou morrer! Acerca do tema, ainda assim
podemos ler no livro Uma nova História do Ceará, artigo do professor Francisco
Pinheiro (2004):
(...) a
submissão dos povos indígenas ao modo de vida europeu,, que se fazia
capitalista, implicava em trabalho sistemático na lavoura, em adoção de uma
nova noção de tempo, que passa a ser marcado, nas aldeias, pelo sino da igreja;
mas, sobretudo, adotar a noção de utilidade no sentido mercantilista era essencial.
(pág. 19).
Neste sentido, dizer que esses modos de
vida eram dispares é o mínimo. Dissertar acerca das gritantes diferenças nas
concepções de mundo, de terra, de vida e de valor entre o colonizador e o indígena
é extremamente redundante e vão diante do que de fato sabemos.
O
que de fato sabemos é que a imposição do modo de vida europeu levou ao
extermínio de milhões dos habitantes nativos da América porque os valores do
colonizador eram um atentado constante ao modo de vida desses povos. Violados
em sua religião, em sua crença, em seus ideais, em seus costumes, na sua moral,
no seu interior e em seu caráter esses povos quedaram, não inertes e não sem
luta, mas sucumbiram ao poderio da religião, das balas e dos revolveres do
superior homem branco. Ainda neste contexto vejamos o que nos diz Francisco
Pinheiro de Souza em “Uma nova História do Ceará” (2004):
A terra, para os
povos indígenas, não era vista como um modo de produção, na perspectiva
mercantil de gerar lucros; ao contrário, deveria ser o espaço da liberdade e da
possibilidade de viver sem serem constrangidos pelos brancos (...) Os povos indígenas,
ao contrário de algumas abordagens, reagiram sim à invasão européia (...) desde
a luta armada até a recusa à aceitação da catequese. (pág. 25).
Não sem luta, é verdade, mas sucumbiram.
Entre as primeiras investidas violentas fracassadas, a tentativa de conversão
ao catolicismo através da catequese e a negação de seus costumes para adoção de
outros (os do colonizador) avançou a largos passos o processo de genocídio e
etnocídio indígena e, como todos nós já sabemos o final dessa história, após
pouco mais de 150 anos de domínio da coroa portuguesa sobre as terras brasileiras,
os índios já não representavam (nem numericamente e nem belicamente) um
empecilho aos objetivos da coroa. Sucumbiram de tal forma os nativos que o
Brasil, antes completamente povoado por índios, hoje, não chega sequer a
possuir os 12% de suas terras (legalmente estipuladas) habitadas por eles, os
antigos donos, os primeiros donos.
(Ana Peixe)